Idoso nunca foi e nunca será o problema dos planos, diz presidente da Abramge

• Na foto: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. / Crédito: Divulgação

O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Ribeiro, considerou bem-vinda a iniciativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de colocar em discussão temas sensíveis para o mercado, como a regulamentação dos cartões de desconto e a possibilidade da revisão técnica (reajuste excepcional, realizado para corrigir distorções pontuais).

Mas, embora estes pontos sejam reivindicações antigas de empresas, Ribeiro avalia ser necessário um debate mais aprofundado. “Não há como tomar essas decisões assim, a exemplo do que ocorreu com a lei do rol”, afirmou ao JOTA. Para ele, o ideal é que a análise se desenrole no próximo biênio e, de preferência, no Legislativo.

Na entrevista, concedida dias depois de a Abramge contribuir com a tomada de subsídios da ANS no processo de revisão, Ribeiro disse ser favorável à criação de uma nova modalidade de planos, restrita a consultas e exames. A alternativa, completa, seria essencial para trazer opções mais baratas de contratos e, com isso, a expansão do mercado.

Ribeiro, contudo, admite ser preciso criar estratégias que impeçam uma eventual migração dos planos tradicionais para este novo formato, como ocorreu no período da entrada em vigor da Lei de Planos de Saúde.

Para o executivo, é preciso encontrar formas para dar segurança ao mercado que, em sua avaliação, foi perdida depois da Lei do Rol e do conceito de lista exemplificativa de procedimentos e tratamentos. “Criança com TEA nunca foi e nunca será o problema dos planos. Idoso nunca foi e nunca será o problema dos planos. Se a pessoa compra o produto e faz o uso correto, não tem problema. O produto já foi precificado. O problema é quando você subverte a lógica: eu comprei um plano ambulatorial e quero fazer uma cirurgia. O que quebra o setor é a insegurança, a falta de previsibilidade.”

A conversa com JOTA, realizada em Brasília, ocorreu dias antes do Congresso da Abramge, marcado para  21 e 22 de novembro, em São Paulo. O tema do evento é a integração da saúde pública e privada. Ribeiro considera que a integração é um passo importante para evitar desperdícios e permitir a materialização da proposta do plano de consultas e exames.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista

Você defende a mudança nas regras de planos de adesão?
R: Não. Não é preciso mudar nada. O que precisamos é abrir o leque. O setor é muito sensível. É a natureza deste mercado. Então, se há uma proposta de se alterar o plano individual, a reação é de que isso representa uma tentativa de se retirar um direito. Se sugerimos mexer no plano por adesão, que com os anos tornou-se um produto pesado e caro, a reação é de que vamos mexer numa carteira formada há 20 anos. Quando você sugere mexer, a reação é sempre de que é tudo ruim. O que eu defendo? O mundo que existe, já existe. Com mecânicas boas ou ruins, ele está aqui. Temos o diagnóstico de problemas: o plano é caro, o reajuste é alto, o acesso é dificultado. A proposta da Abramge é criar um desenho de planos mais simples.
Ninguém será obrigado a contratar. Será uma opção.

Um plano ambulatorial sem internação de emergência…
R: Não vamos falar em plano ambulatorial. A nomenclatura tem de ser clara, para o consumidor não falar que foi enganado. É um plano de consultas e exames em âmbito laboratorial. Não é possível que alguém compre um produto desse, com esse nome, e diga que tem direito a fazer uma cirurgia bariátrica no Hospital Albert Einstein. A ideia é tirar da equação toda a fraude, toda a picaretagem profissional. Tem muito consumidor que de fato não entende o que está sendo comprado.

Um plano neste novo formato não ameaça os planos atuais? Que mecanismos existem para evitar o fim de planos de maior cobertura? Já assistimos fenômeno semelhante com contratos individuais…
R: É preciso criar regras para evitar que isso ocorra. Em 1998, não estava nem na faculdade… São mundos completamente diferentes. Tudo passa por um amadurecimento. O setor começou com medicinas de grupo, consolidou-se com empresas com dono, depois vieram as multinacionais. O setor foi se ajustando. Mas regras são necessárias. O argumento de que o mercado se regula, no caso de saúde, vale até um certo ponto. Não dá para brincar, porque há hipossuficiência. Mas você tem também laboratórios médicos que fomentam judicialização de medicamentos que estão em fase de testes no exterior, que você nem sabe se funciona. Você tem grupos de interesses de todas as ordens. Então, precisa, sim, de regulação. E é preciso também empoderamento do consumidor. Sua observação está certa, é preciso mecanismos para evitar o êxodo. E isso virá com sistemas de freios e contrapesos. Como a questão da revisão técnica: a ideia é que haja contrapartidas.

A ideia de se exigir a oferta de planos individuais, por exemplo? Mas esta condição será mantida pela ANS?
R: Não acredito que haja uma liberação total. Permissão de revisão técnica sem condições. Conhecendo um pouco o ambiente político, o Congresso não aceitaria uma liberação como essa. Haveria uma reação. Depois de 2022, com a discussão sobre a extensão do rol de procedimentos, parlamentares entenderam a sensibilidade do setor. Para o bem e para o mal.

O que é o bem e o que é o mal?
R: Por exemplo, um ambiente para produtos mais acessíveis. O Congresso hoje sabe que isso precisa ser muito bem feito. Parlamentares têm consciência de que se fizerem algo inconsistente dá confusão. Eles aprenderam. Com a discussão sobre o Transtorno de Espectro Autista, os parlamentares viram toda a movimentação. Neste ano, quando houve a reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira, depois do cancelamento de contratos, ficou clara a familiaridade que ele tem sobre o tema. Então, acredito que hoje há um ambiente para se discutir com maturidade, envolvendo todos. Os órgãos de defesa do consumidor não são demônios. O setor não é um demônio, o legislador não é, o regulador não é. O que é preciso é achar uma composição.

A ministra Nísia Trindade criticou o modelo de planos de menor cobertura. A percepção é de que esse sistema não é resolutivo e apenas ampliará a pressão sobre o SUS.
R: Tenho respeito enorme pela ministra da Saúde. Mas o gigantismo dos desafios interna corporis do ministério não permite, às vezes, ver o cenário como um todo. Ninguém está inventando nada. Esse fenômeno já existe. Temos hoje um mercado de 40 milhões de pessoas com cartões de desconto. Não é algo que vai acontecer.
Já aconteceu. O que defendo é que possamos ter esse plano de consultas. Algo regulado. Porque se esse paciente se agravar, mais tarde, eu poderei ser cobrado.

Mas nada impede que as operadoras tenham também seu cartão de desconto. Por que não ofertam?
R: Não haveria segurança jurídica. Há outro ponto. Há uma regulação pesada para o setor de planos. E o setor de cartões atua com muita liberdade. É uma questão de equidade. Já falei isso para a ministra Nísia Trindade, para o secretário de Atenção Especializada Alexandre Massuda, para o vice-presidente Geraldo Alckmin…

Vocês apresentam um plano, mas não dão sugestões sobre como fazer a regulação, não apontam caminhos…
R: Não podemos ver a minúcia. A legislação tem de ser feita pelo Congresso. É preciso regulação, regras do Ministério da Saúde. Mas essa é uma discussão longa. Para dois anos. Eu gostaria que agora, passado o período eleitoral, o debate tivesse início.

No Congresso da Abramge, a discussão central será sobre integração entre setor público e privado.
R: As ações de prevenção de saúde que as operadoras podem fazer dependem, em determinado grau, do prontuário eletrônico. Há rotatividade dos clientes. Para garantir que a informação não se perca, a possibilidade de acesso é fundamental. Isso passa também pela integração entre público e privado. Um precisa do outro. E é preciso ter regras claras para uma simbiose.

Fonte: JOTA