A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso de apelação de uma operadora de saúde e manteve a sentença que a condenou a indenizar por dano moral uma conveniada porque lhe negou a cobertura de cirurgia de redesignação de gênero. O acórdão também determinou que a recorrente arque com os custos do procedimento médico e dos materiais nele utilizados.
Segundo o desembargador João Batista Vilhena, relator da apelação, a ninguém é concedida a prerrogativa de, a título de ter o direito de discutir a aplicação e amplitude do teor de cláusulas contratuais, negar autorização para procedimento de extrema urgência e necessidade, quando esta recusa inviabilizar o cumprimento do próprio objetivo do contrato, no caso dos autos, a preservação da saúde da segurada.
Em suas razões recursais, a empresa argumentou preliminarmente que a apelada não mais fazia jus à cobertura pretendida em virtude do seu desligamento, como empregada, da empresa contratante do plano de saúde. No mérito, alegou que o procedimento solicitado não integra no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Por fim, negou a prática de ato ilícito a ensejar dano moral, pois agiu conforme o contrato e a lei.
De acordo com Vilhena, porém, não há dúvida de que a recorrida é uma mulher transgênero em acompanhamento com equipe multidisciplinar. Também ficou demonstrada a necessidade da cirurgia, devidamente justificada por uma médica, conforme o relatório juntado aos autos. O relator ainda citou que a ANS assegura a cobertura pleiteada por meio do Parecer Técnico 26/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021.
Esse parecer da agência reguladora diz que, “embora o processo transexualizador ou de afirmação de gênero não esteja listado na RN n.º 465/2021, os beneficiários transgênero ou com incongruência de gênero, com diagnóstico de transtornos da identidade sexual (CID10 F.64), terão assegurada a cobertura de alguns dos procedimentos que se encontram listados no rol vigente.”
“Não prospera a alegação da apelante de que os procedimentos envolvidos na cirurgia em questão não estão contemplados no rol da ANS”, concluiu Vilhena. O julgador também rejeitou a tese de que a responsabilidade da recorrente terminou com o fim do vínculo empregatício da autora com a empresa contratante do plano de saúde, pois a apelada ingressou com a demanda antes de ser demitida.
Desde o começo
Segundo o relator, o direito da autora da ação deveria ser reconhecido desde o ajuizamento do processo, devido ao relatório médico e ao fato de o procedimento estar enquadrado no rol da ANS. “A apelada necessitou promover ação judicial para garantia de seus direitos indevidamente violados, e isto em natural estado de apreensão e constrangimento, quadro este que configura dano moral decorrente da própria atuação da apelante.”
A única observação de Vilhena em relação à sentença prolatada pela juíza Deborah Lopes, da 2ª Vara Cível do Foro Regional VI, na capital paulista, recaiu sobre a condenação da empresa à obrigação de fazer a cirurgia. Com a extinção do plano de saúde após a demissão, de ofício, o relator decidiu pela conversão desse dever em perdas e danos, a fim de que a apelante custeie todos os gastos relacionados ao procedimento.
Desse modo, nos termos do artigo 499 do Código de Processo Civil, a empresa deverá desembolsar a quantia em dinheiro necessária a cada um dos procedimentos descritos no relatório médico. O montante pecuniário das perdas e danos será apurado em sede de liquidação. Quanto ao valor da indenização por dano moral, fixado em R$ 8 mil na sentença, Vilhena o manteve por considerá-lo adequado.
Os desembargadores Emerson Sumariva Júnior e Erickson Gavazza Marques endossaram o voto do relator, reconhecendo “verdadeiro abuso de direito” por parte da operadora. O acórdão assinalou que “a apelante deu enfoque maior apenas ao aspecto econômico envolvido na questão, quando deveria fazer tendo em conta a saúde da recorrida, pois para isso esta última contratou plano de saúde.”
Fonte: Conjur