Não há vontade política para integração da saúde pública e privada, diz presidente da ANS

A dois meses de encerrar o seu mandato na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o diretor-presidente Paulo Rebello afirma que não há vontade política do Ministério da Saúde para estabelecer uma integração entre os setores público e privado de saúde:

“Muito se fala, muito se conversa e tenta encontrar solução, mas vontade política para fazer alguma coisa não tem. O fato é que temos um sistema brasileiro de saúde que engloba o público e privado. Passei pelo ministério e sei o sentimento com relação à saúde suplementar. É um setor que o ministério não quer se envolver, não quer colocar o dedo.”

A afirmação foi feita nesta quarta (16) durante debate no Conahp (Congresso Nacional de Hospitais Privados), em que se discutiu os caminhos para melhorar a relação público-privada, em busca de um novo modelo de sistema de saúde mais sustentável.

O posicionamento de Rebello, amplamente repercutido em grupos virtuais de lideranças de saúde, foi uma resposta às falas da ministra da Saúde, Nísia Trindade, na abertura do evento, em que ela defendeu uma maior colaboração entre os setores público e privado da saúde e fez críticas ao atual papel das agências reguladoras.

Para ela, é fundamental que as agências tenham autonomia técnica, mas é muito importante que sejam retomados instrumentos como contratos de gestão e planos de metas e que o Ministério da Saúde tenha um papel coordenador para que essas ações sejam efetivamente realizadas.

Nísia disse que desafios como o aumento de doenças crônicas devido ao envelhecimento populacional, o impacto das mudanças climáticas e as emergências sanitárias requerem uma coordenação mais efetiva entre os setores público e privado da saúde, em busca de ações conjuntas.

A proposta de o Ministério da Saúde assumir a governança do sistema de saúde como um todo foi levantada em um estudo do Ieps (Instituto de Estudos sobre Políticas de Saúde) e da Umane, apresentado na semana passada, e voltou a ser discutido durante o congresso dos hospitais.

Segundo Rebello, não existe diálogo ou apresentação de propostas por parte do ministério em relação a isso. “A única proposta que se tem é a Rede Nacional de Dados em Saúde [RNDS].”

Ele afirmou que, desde início da sua gestão na ANS, levou propostas de integração ao ministério, entre elas uma sobre o uso de recursos vindos do ressarcimento que os planos fazem ao SUS quando os seus usuários fazem procedimentos no sistema público de saúde.

“Foi uma proposta de integração do público e privado como forma de reduzir a fila do SUS. Isso nunca teve uma iniciativa, um passo a frente.”

Uma outra ideia de atuação em conjunto foi em relação aos atendimentos de crianças com transtorno do espectro autista. “Também não houve vontade política para enfrentar o problema. Entendo que é um tema que está muito judicializado e nunca houve interesse [do ministério].”

Nos últimos dias, Rebello tem se mostrado visivelmente irritado em eventos públicos devido a críticas que a ANS tem recebido por colocar em debate um pacote de ações que abre margem para mudanças na política de preços dos serviços, para planos sem direito à internação e para a regulação de cartões de desconto.

Na sua fala, Nísia manifestou preocupação em relação às propostas da ANS. “No momento que se discute a revisão do marco regulatório da saúde suplementar, quero reforçar que não haja fragmentação e segmentação dos cuidados à saúde”, disse a ministra.

Rebello afirmou que, embora se queira planos que forneçam uma atenção integral ao paciente, não é possível fechar os olhos para o crescimento das clínicas populares e dos cartões de desconto.

Para ele, há um vácuo no acesso à saúde pública. “Eu tenho um país pobre, com 25% da população inserida no contexto da saúde suplementar e, do outro lado, o Ministério da Saúde subfinanciado. Para marcar uma consulta, demora oito meses, dois anos.”

Fonte: Folha de S. Paulo