A Unimed Ferj diz estar em negociação avançada com a Rede Ímpar – controlada por Dasa e Amil – para substituir os hospitais da Rede D’Or, que anunciou que deixará de atender os beneficiários da cooperativa a partir de 18 de fevereiro. A notícia da saída dos hospitais da marca D’Or da rede credenciada da cooperativa fluminense intensificou uma crise de credibilidade que acompanha a Ferj desde que iniciou, em junho de 2023, o processo de absorção da carteira da Unimed Rio, há uma década em direção fiscal, que subsistia, desde 2016, sustentada por um acordo firmado com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Ministérios Público estadual e federal e Defensoria.
“Passei a manhã da última quarta-feira (dia 15), com representantes da Rede Ímpar e pouco se falou em dinheiro, mas de parceria. As negociações estão bem avançadas”, diz João Alberto da Cruz, presidente da Unimed Ferj.
Mais do que substituir os hospitais da Rede D’Or, a nova parceria pode levar ao lançamento de novos planos customizados à Rede Ímpar, informou Cruz. Procurada, a Rede Ímpar não quis comentar sobre a negociação.
Apesar do sistema Unimed ser conhecido pela oferta de planos individuais, a Unimed Ferj não tem essa modalidade de plano em seu portfólio de venda. A restrição de oferta de individuais já havido sido feita pela Unimed Rio e foi mantida pela federação. Cruz admite que é preciso aumentar o portfólio da cooperativa, conta que mapeou a capital, tanto quanto a ofertas de hospitais, clínicas e serviços quanto dados populacionais para pensar novos produtos e fazer substituições rápidas na rede quando for necessário. O executivo, no entanto, não crava quando os individuais voltarão a ser negociados pela cooperativa.
“Estamos trabalhando com um portfólio reduzido de planos para venda, é necessário expandir, mas com adequação à rede. Uma saída pode ser planos customizados com atendimento em uma rede específica“, antecipa o presidente da Ferj.
Sob fogo cruzado, Cruz não muda o tom de voz e mostra uma tranquilidade interiorana, que ganhou nas três décadas de Resende, apesar do nascimento lhe garantir o título de carioca. O presidente da Ferj garantiu que não deve a Rede D’Or, afirma inclusive que tem a receber do grupo, devido a um acerto de pagamento antecipado. Cruz se disse ainda surpreso com as declarações do presidente da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (Aherj), Marcus Camargo Quintella, sobre o não pagamento das parcelas acordadas da dívida assistencial herdada da Unimed-Rio.
“Tivemos problema com o pagamento de novembro e dezembro, quando houve um aumento grande de demanda e muitas redes incluíram no sistema faturas que tinha sido rejeitadas por problemas com documentação ou que não eram reconhecidas. Falar em R$ 2 bilhões de dívidas é covardia. O R$ 1,6 bilhão é público, foi o que herdamos de dívida assistencial da Unimed Rio. Desse montante, 65% já foram repactuados, em até dez anos, e estão com o pagamento em dia, os outros estão em negociação. Mas nunca se pagou tão em dia quanto agora“, afirma Cruz, mostrando a mensagem de um hospital agradecendo sua interferência na negociação.
Hospitais alegam dívidas e dizem que clientes da Unimed Ferj estão no fim da lista prioridade
Quintella, presidente da Aherj, contesta a afirmação de Cruz. E reforça que a associação entrou com pedido de autorização do Ministério Público para suspender o atendimento aos clientes da Ferj, diante da falta de pagamento. Segundo o presidente da Aherj, houve uma orientação da promotoria para que se tentasse uma composição via ANS com a Unimed Ferj antes da interrupção do atendimento. A primeira reunião foi em dezembro com a agência e agora ele diz esperar a marcação pela reguladora do encontro com a cooperativa.
“Se não houver a reunião até o fim do mês voltaremos ao MP pedindo a interrupção de atendimento. Os pagamentos estão irregulares, o que no mercado é pago com 45 dias, eles estão levando de 90 a 120. Não mudou nada com a transferência dos clientes da Unimed Rio para a Ferj. Quando se fala em interrupção de atendimento por problema administrativo, pode ler falta de pagamento. O problema administrativo é não ter dinheiro para pagar os custos. Já pedi à Ferj para me mostrar a planilha deles de pagamento, mas até hoje não vi“, diz Quintella.
Questionada sobre o anúncio da saída da rede credenciada, a Rede D’Or reforçou que, “a partir de 18 de fevereiro, os hospitais Quinta D’Or, Norte D’Or, Oeste D’Or, Glória D’Or, Perinatal e o Jutta Batista deixarão de atender os planos de saúde do convênio Unimed Ferj por motivos administrativos”, sem esclarecer o que isso significa. O atendimento dos pacientes que já estavam com tratamento em andamento será mantido, avisa o grupo. A Rede D’Or diz ainda “que se mantém aberto ao diálogo com a operadora e que busca evoluir junto com o setor, sem abrir mão, em primeiro lugar, do foco na qualidade assistencial prestada ao paciente.”
No caso dos hospitais associados a Aherj, apesar de não ter havido a suspensão do atendimento, o acesso aos clientes Ferj já está prejudicado. Quintella admite que os usuários da Unimed Ferj estão no fim da lista de prioridade quando há requisição de um leito. Quintella diz não saber qual o percentual da dívida herdada pela Unimed Ferj da Rio que está com o pagamento atrasado e também não tem um cálculo exato de quanto das faturas de atendimento já como a nova cooperativa deixou de pagar. Ele estima que seja, ao menos, R$ 400 milhões.
“O leito só para o cliente da Unimed Ferj se não tiver outra operadora pedindo.”
Nas planilhas de dados econômicos da ANS, a dívida bancária da cooperativa saltou cerca de R$ 100 milhões, entre março e setembro, último dado disponível na reguladora. A Unimed Ferj alega, no entanto, que se trata de “uma operação financeira comum, que visa dar suporte – em menor grau – ao capital de giro das singulares; e, em maior grau, à própria federação.”
Procurada, a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Capital que acompanha e fiscaliza a regularização da prestação do serviço da operadora de plano de saúde Unimed Rio, diante do recente processo de transferência para Unimed Ferj, diz que, atualmente, aguarda a manifestação da Unimed Ferj sobre a efetiva conclusão das quatro etapas do processo de transferência da integralidade da carteira de segurados, situação que vem sendo monitorada pela ANS. Segundo a promotoria, o requerimento que teria sido feito pela Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro para interromper os atendimentos aos usuários da Ferj ainda não chegou ao conhecimento da promotoria.
Índice de reclamação na ANS é 10 vezes a média do mercado
Sem explicação ficou o fato de o Índice Geral de Reclamações (IGR), indicador elaborado pela ANS, da Unimed Ferj ser cerca de 10 vezes maior do que a média do mercado: 448,7 contra 44. Cruz garante que o fluxo de atendimento está completamente normal.
“Passamos por onda de problemas com boletos, com reembolsos, mas foi tudo ultrapassado. A onda agora é de desinformação. Não nego que tivemos problemas em dezembro, mas não a ponto para essa repercussão. Nos primeiros beneficiários transferidos pela Unimed Rio para a Ferj, de moradores do interior do estado, pouco mais de 83 mil, está tudo completamente equalizado. Não temos tido problema de descredenciamento, mas não descarto que alguns prestadores estejam fazendo uma espécie de “operação tartaruga” no atendimento. Mas o fato é que estamos trabalhando e abertos a receber e negociar com todos”, diz Cruz.
Causou surpresa o fato de a Unimed Ferj e ANS terem assinado um termo de compromisso que flexibiliza regras em até um ano e meio. Não foi dada nenhuma publicidade ao acordo firmado em dezembro. O presidente da Unimed Ferj conta que foi a ANS que sugeriu o termo de compromisso. Ferj e reguladora vinham conversando, mas o texto do documento, segundo o executivo, foi proposto pela reguladora. O executivo minimiza a flexibilização das regras feita pela agência, que impede, por exemplo, que a cooperativa tenha a venda de planos suspensos por excesso de reclamação e lembra a multa:
“O termo determina metas e prazos para cumprimento e se falhar, a multa é de R$ 1 milhão. O que vínhamos conversando é que a fiscalização na sede, de pessoal da ANS, com colete e tudo, causava falatório e insegurança para os consumidores. E muitas vezes precisávamos parar tudo para atender o fiscal, queríamos um tempo para nos organizarmos, ainda não tem um ano que recebemos o grosso dos contratos.”
Confira a lista de hospitais que substituirão o descredenciamento da Rede D’Or
• Hospital São Lucas – Copacabana
• Hospital Nossa Senhora do Carmo – Campo Grande
• Hospital CHN – Niterói
• Hospital Vitória – Barra da Tijuca
• Hospital Samaritano – Barra da Tijuca
• Hospital Samaritano – Botafogo
• Hospital Pró Criança – Botafogo
• Hospital Pró Cardíaco – Botafogo
• Hospital Santa Lúcia – Maternidade Botafogo
Fonte: O GLOBO