• Na foto: O presidente da Interfarma, Renato Porto. / Crédito: Paulo Guimarães/Divulgação/Interfarma
A proposta da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) de criação de uma modalidade de contrato que ofereça apenas exames e consultas deverá contar com uma forte adversária: a indústria farmacêutica. Presidente da Interfarma, Renato Porto, afirmou que a entidade vai se opor ao modelo, caso o debate ganhe corpo. “Qualquer processo que diminua o desfecho e a qualidade da atenção farmacêutica no Brasil será combatido pela Interfarma. E esse processo, em princípio, precariza o sistema de atenção farmacêutica e de saúde no Brasil”, afirmou.
Nesta entrevista ao JOTA, Porto lembrou que a ideia de criação de um plano de menor cobertura já foi debatida em outras oportunidades. Mas, completou, a proposta sempre foi criticada, em virtude da baixa resolutividade e da pressão que pode levar ao Sistema Único de Saúde.
Porto associa o retorno desta discussão à vitória da interpretação de que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), lista de medicamentos e tratamentos que planos de saúde têm de oferecer a seus clientes, é exemplificativo. Ele, contudo, avalia que a saúde suplementar, antes de buscar soluções externas, deveria fazer uma análise de problemas do próprio setor. “Eles deveriam pensar de dentro para fora”, afirma.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
O plano de consultas e exames atrapalha a indústria?
R: O primeiro cuidado necessário é com a precarização da saúde. O sistema de saúde brasileiro é um sistema extremamente complexo. É um sistema bonito, premiado, mas muito difícil de ser executado. A preocupação que temos é de não precarizar o sistema de saúde brasileiro. A proposta de plano de menor cobertura já foi discutida em várias oportunidades e em nenhum dos momentos obteve
sucesso. Esse plano de consultas e exames teria como objeto regular o que não
está regulado. O problema é que ele pode espremer a própria saúde pública. O Brasil tem uma grande dificuldade para manter o seu sistema de financiamento público. O conjunto de atores, público e privado, faz com que tenhamos uma saúde minimamente equilibrada. Fazer exames e consultas sem que haja uma sequência não é ideal. A gente tem que tomar cuidado.
O que seria ideal?
R: Como o presidente da Abramge disse em entrevista para o JOTA, e achei importante, é que precisamos discutir de maneira mais profunda. Eu concordo, acho louvável. Precisamos sair desse ambiente que busca soluções imediatas para buscarmos soluções equilibradas, soluções definitivas. Na saúde, não há problemas simples. O problema não é a fraude, não é o medicamento e, como o ele disse ao JOTA, o problema não são os idosos. O problema é um pouquinho de cada um destes aspectos. Daí a necessidade de tratarmos do tema de forma complexa. O ideal é que possamos reunir a cadeia inteira, todos os operadores desse sistema, desde fabricantes de insumos, sejam eles medicamentos, equipamentos, prestadores de serviço, a cadeia intermediária, para que a gente consiga ter uma solução realmente definitiva. E que antes de implementar, possamos testá-la. Sim, porque mudar o sistema a todo momento também tem um custo muito grande. Cada um precisa se comprometer a contribuir para o equilíbrio.
E isso já não acontece?
R: Acho que o sistema de saúde privado e suplementar precisa de um olhar interno. Buscar soluções próprias para problemas que eles apresentam. Porque até agora é sempre um problema de “é preciso regulamentar” ou “é preciso diminuir a fraude”, é sempre ir para fora. Mas e para dentro? Onde estão os desfechos, as operações menos custosas para o sistema? Em discussões anteriores, chamou-se a atenção de que essa proposta, desta forma, traz o risco de criar categorias de pacientes. E criar nichos não é bom.
A proposta surge como uma reação ao rol exemplificativo?
R: Eu acho que sim. Não sou o maior especialista nisso, mas fazer a precificação de um plano de saúde não deve ser tarefa simples. E a definição do rol exemplificativo faz com que esse sistema tenha que assimilar alguns riscos que talvez sejam pouco calculáveis a curto prazo. Mas não sei se essa é a primeira barreira a ser enfrentada. Há questões de carência. Planos se queixam que clientes, logo ao mudar de plano, já requisitam cirurgias caras. Mas e as pessoas que pagam por anos e não usam? Aí que eu afirmo que problemas são complexos. E que há pontos internos, que também precisam ser avaliados.
Há risco de redução de planos de maior complexidade?
R: É exatamente isso que não poderia acontecer. Porque em vez de se resolver um problema da saúde, haverá a precarização. Quem não tiver recursos, não poderá ter acesso. Avalio haver uma certa contradição. Ao longo da história, planos afirmam que gostariam de ter o desfecho, a solução do caso, como meta. De sair do pagamento por serviço. Mas com esse eventual novo produto o que se estará vendendo é um serviço, ampliação de consulta e de exame. Isso não quer dizer resolutividade. O que será que está sendo calculado? Meramente entrada de recursos para fazer uma operação financeira e colocar no banco? A meta é sair de 50 milhões de usuários para 80 milhões. Amplia-se o acesso. Mas e a qualidade? Se você apenas amplia a parte mais simples desse processo, caberá ao sistema público a outra parte. Então caberá ao setor público salvar a vida. E planos ficariam como meros prestadores de serviço.
Vocês vão trabalhar contrariamente à criação desse plano?
R: Qualquer processo que diminua o desfecho e a qualidade da atenção farmacêutica no Brasil, será combatido pela Interfarma. Nós defendemos que o melhor atendimento farmacêutico deve ser o nosso objetivo. Como o presidente da Abramge diz, o processo precisa ser melhor debatido. Mas, em princípio, este modelo precariza o sistema de atenção farmacêutica e de saúde no Brasil.
Fonte: JOTA