Triplicam queixas de usuários que não conseguem mudar de plano de saúde

Em cinco anos, triplicou o número de reclamações na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de beneficiários com dificuldade de mudar de plano de saúde sem ter que cumprir carência.

Entre janeiro e agosto deste ano, foram 3.748 queixas referentes ao tema portabilidade de carências, contra 1.005 no mesmo período de 2019. Em relação ao primeiro semestre de 2023, com 2.091 reclamações, o salto foi de 79%.

Em nota, a ANS informou que as reclamações têm como base os relatos dos beneficiários e não possuem análise de mérito sobre eventual infração da operadora de planos de saúde ou das administradoras de benefícios. “A identificação de possíveis condutas infrativas só é feita após a análise individual das demandas.”

Além dessa dificuldade, advogados também relatam aumento de consumidores que sequer conseguem contratar novos planos de saúde. Em geral, nos dois casos, o perfil é o mesmo: pessoas idosas ou com doenças preexistentes ou que têm dependentes em situações críticas de saúde.

É o caso da psicóloga e advogada Caroline Pedrazani Bueno, 45, mãe do menino Erdimir, 3, que depende de cuidados médicos em casa (home care), após ter sofrido uma lesão na traqueia durante cirurgia feita aos dois meses de idade.

Caroline tem um plano SulAmérica, ofertado pela empresa onde trabalhava. Após ser desligada, manteve o direito de permanecer no contrato por 15 meses. O prazo, segundo ela, vence no próximo dia 31 de outubro.

Desde junho, ela diz que tenta, sem sucesso, a portabilidade sem carência ou mesmo a contratação de um novo plano na mesma seguradora.

“Eu entro com protocolos e tento migrar do plano empresarial para uma categoria de classe [por meio do Conselho Regional de Psicologia ou da Ordem dos Advogados do Brasil, dos quais é associada] e eles dizem que eu não posso fazer isso porque a categoria do plano é diferente.”

Para Carolina, a dificuldade está relacionada às questões de saúde do filho Erdimir, seu dependente no plano. Após ter ficado um ano na UTI depois do nascimento, hoje ele precisa de traqueostomia [abertura na traqueia para levar ar até os pulmões] e de gastrostomia [procedimento para fixação de sonda alimentar].

“Precisamos desse cuidado [home care]. Ele saca a traqueo, para de respirar, é sempre muito caótico, Também precisa de muitas terapias, insumos. É óbvio que o plano não tem interesse que eu faça essa migração.”

Na última terça (1º), ela ingressou com ação na Justiça com um pedido de antecipação de tutela para se manter no plano. “Eu não tenho condição de ficar uma hora sem plano de saúde.” Ela também protocolou queixa na ANS.

Em nota, a SulAmérica informou que, por se tratar de uma mudança de tipo de contratação, carteira e produto, é necessário que a beneficiária contrate o novo plano de saúde por intermédio de administradora de benefícios ou um corretor de sua preferência.

Carolina afirma que tentou a migração por meio de uma administradora de benefícios. “Na hora que a gente foi migrar, aparece a informação de que o usuário está bloqueado pela SulAmérica. Parece que estamos numa lista negra, daqueles que não valem a pena porque custam muito.”

Segundo a operadora, o contrato de Carolina está vigente até 30 de abril de 2025. “A operadora segue à disposição da beneficiária para esclarecimentos”, informou. Carolina, por sua vez, diz que a própria empresa onde trabalhava informou que o contrato do plano está válido até o fim deste mês.

No mês passado, o Conselho Federal de Justiça (CFJ), que funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicou um documento com 47 entendimentos que servem de parâmetro para futuras decisões judiciais de termas da saúde pública e suplementar.

Um deles, o enunciado 16, trata do tema portabilidade de carências e diz que ela é permitida de qualquer modalidade de plano de saúde para um novo contrato, inclusive nos casos de nova contratação por pessoa jurídica. Para advogados, esse entendimento se aplica no caso de Carolina.

Segundo advogada Marina Paullelli, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), mesmo com essa orientação do STJ, para alguns perfis de beneficiários, a dificuldade em fazer a portabilidade persiste.

Fonte: Folha de S. Paulo